NOVO ANO JUDICIAL ARRANCA COM PROMESSAS
Reforma do mapa judiciário no centro das críticas, numa cerimónia onde o Presidente da República pediu mão pesada para quem violar o segredo de justiça.
Foi em tom de preocupação quanto ao caminho que as reformas na Justiça estão a seguir, que se realizou a abertura do ano judicial 2014, com os vários agentes do setor a alertarem para os perigos que a crise económica e os cortes estão a provocar também neste campo. Um tom que o próprio Presidente da República usou, ao dizer que “chegou o momento das grandes opções” para o país a longo prazo e que a Justiça não pode ficar à margem. Cavaco pediu, para isso, uma “plataforma mínima de entendimento” entre as forças político-partidárias para as reformas na Justiça, até porque em maio Portugal termina o seu programa de assistência assinado com a troika, e qualquer reforma que seja feita, também neste setor, não pode “navegar ao sabor de um ciclo político”. Aviso este que, para já, não está a produzir qualquer fruto, uma vez que a proposta que o Governo fez de reorganização do mapa judiciário, com o fecho de 22 tribunais, deixou o PS de cabelos em pé e levou de imediato o secretário-geral António José Seguro a prometer aos portugueses que quando for Governo voltará a abri-los todos. “Sempre que a Justiça se afasta do espírito do compromisso todos saem a perder”, avisou Cavaco. Mas até entre os vários agentes do setor, o clima parece tudo menos consensual.
Uma das vozes críticas mais ouvidas foi a da procuradora-geral da República, Joana Marques Vidal, que se mostrou preocupada com “o número de funcionários que vão ficar afetos ao Ministério Público” com a reforma do mapa judiciário, bem como a “formação especializada para as funções que vão desempenhar”.
A nova organização do sistema judiciário provocará nos primeiros tempos “previsíveis perturbações”, acredita Marques Vidal, uma vez que obrigará à redistribuição de muitos milhares de processos e à movimentação quase generalizada de recursos humanos. A bastonária da Ordem dos Advogados, Elina Fraga, que se estreou nesta cerimónia, também foi crítica: “Encerrar tribunais ou desqualificá-los, obrigando as populações a deslocar-se às capitais de distrito, constitui a página mais negra que se alcança e possa ser escrita pelos nossos deputados e traduz a capitulação do Estado na administração da justiça.” O presidente do Supremo Tribunal de Justiça (STJ) reconheceu que “o êxito de qualquer reforma não depende apenas da bondade das soluções desenhadas”. Henriques Gaspar considerou que esse êxito “depende também, e muito, das culturas judiciárias; enfrentaremos sempre o risco de instrumentos que falham por disfunção de complexidade ou inadequada compreensão”. Para Gaspar, a legislação do mapa judiciário “deveria merecer amplo consenso, porque constitui uma questão central do Estado na concretização de uma função de soberania”. Coube a Paula Teixeira da Cruz o papel de advogada de defesa de uma reforma pela qual tem lutado desde que tomou posse em junho de 2011. O novo mapa judiciário é uma das grandes bandeiras do seu mandato e a ministra não desarmou: “A reforma em curso não traduz apenas uma simples modificação da conformação territorial das novas comarcas ou das competências dos tribunais. Antes resulta numa profunda alteração de matriz, na forma de pensar a organização e o sistema judiciário, visando uma justiça mais célere, eficaz, mais competente e especializada, sujeita a um maior escrutínio e mais próxima do cidadão.” Quanto ao conflito com o PS nesta matéria, Teixeira da Cruz deixou claro que “não podia forçar consensos” quando a oposição não os queria. Outros temas marcaram esta sessão, com especial destaque para o problema da violação do segredo de justiça, depois de a procuradora-geral ter divulgado semanas antes um estudo em que se concluiu que as violações do segredo de justiça representam cerca de 1% do total dos inquéritos sujeitos a esse regime. Joana Marques Vidal defendeu, então, escutas e buscas aos jornalistas e às redações dos media, como meio de investigação Cavaco não se referiu diretamente a esta proposta, mas recordou que já em 2010 alertou para este problema, nada se tendo alterado na sua opinião. “Quatro anos depois, mantenho o que então afirmei e estou ainda mais convicto da necessidade de o segredo de justiça ser salvaguardado de uma forma rigorosa. Continuamos a assistir a violações graves que prejudicam seriamente a investigação criminal e comprometem de forma irreparável a confiança dos cidadãos no nosso sistema de justiça”, salientou o Presidente. “As entidades de controlo e disciplina têm de exercer uma atividade mais atenta e vigilante, uma fiscalização mais rigorosa, a que se deve seguir a aplicação das devidas sanções sempre que se verifique que a lei não foi respeitada”, disse o chefe de Estado.
A morosidade do sistema judicial também voltou a estar em cima da mesa, num dos temas que são mais recorrentes neste tipo de sessões. O Presidente da República lembrou que “o irregular funcionamento da Justiça, pelo consequente atraso na resolução dos conflitos”, transmite aos cidadãos “sentimentos de insegurança institucional que afetam a credibilidade e o prestígio dos que operam no sistema judicial”. Já a PGR aproveitou para pedir uma clarificação na relação hierárquica de vários órgãos, maior articulação entre DCIAP e DIAP no combate à corrupção e pediu mais meios para a Judiciária. Um repto que Paula Teixeira da Cruz não deixou sem resposta, prometendo mais meios humanos na PJ, nas magistraturas e nos oficiais de justiça. A cerimónia de abertura do ano judicial ficou ainda marcada pelo anúncio, por parte da ministra, da criação de um registo de agressores sexuais, que irá também prever as formas e as condições de acesso a esse registo. A medida destina-se a pedófilos que já tenham cumprido pena e se encontrem novamente em liberdade. Para terminar, ficou uma promessa de luta contra os interesses instalados. “Sempre recusámos e vamos continuar a recusar a submissão da política de justiça a quaisquer cartilhas desprovidas de valores humanos e preocupações sociais, venham elas de onde vierem. Seja qual for o poder que tiverem. Os polvos multiplicam-se na globalização desregulada, mas nós estaremos cá. Todos juntos, como felizmente temos caminhado. No fundo, os ratos aliam-se, reconhecem-se, invadem. Geram a peste. A minha eterna Peste de Camus e de causas. Também alegados especialistas vivem do desconhecimento do sistema, procuram ignorar o que foi e é feito, todos os dias por tantos, mas vivem disso. Convoco-vos para a mais plena cidadania. Resistiremos e, juntos, faremos a revolução na justiça que a justiça merece.”