TÓQUIO E O MISTO DE EMOÇÕES – Tóquio. A palavra transporta-nos para um misto de emoções. Em 1964, a capital japonesa é a primeira cidade da Ásia a receber uma edição dos Jogos Olímpicos. Como o verão japonês é bastante húmido, insuportável até, o Comité Olímpico Internacional adia o evento de 1964 para outubro, um mês mais seco, ideal para a prática de um sem-número de modalidades, umas da velha guarda, outras introduzidas pelos japoneses, como o judo. Siga a marinha, vamos a isso. A delegação portuguesa leva 20 pessoas, entre 19 atletas masculinos e uma feminina (Esbela Fonseca, que já participara em 1960, na eterna Roma, e iria marcar presença em 1968, na Cidade do México). Com toda a pompa e circunstância, o imperador Hirohito abre a competição, marcada pelo momento da entrada do portador da tocha olímpica, um tal Yoshinori Sakai, de 19 anos, nascido em Hiroshima no dia 6 de Agosto de 1945, o da bomba atómica lançada pelo avião norte-americano Enola Gay durante a Grande Guerra. Durante 15 dias, os jogos entram para a história por um naipe de razões salientes.
Para abrir as hostilidades, por assim dizer, é a primeira edição transmitida por um satélite de comunicação geoestacionário para outros continentes. Depois, o etíope Abebe Bikila é bicampeão da maratona, só seis semanas depois de ter sido operado ao apêndice. Desta vez, vá lá, corre calçado e, para não variar, bate o recorde mundial. É um fenómeno sem igual. Até Carlos Lopes em 1984, claro está. Há ainda a soviética Larissa Latynina, cuja última participação nos Jogos equivale-lhe a mais duas medalhas de ouro, 18 no total. É outro fenómeno sem igual e, já agora, um recorde olímpico. Até Michael Phelps em 2012. Para acabar, é usada pela primeira vez uma pista sintética de atletismo. Que ainda hoje se mantém intacta. Tal como uma série de infraestruturas.
1987, Taça Intercontinental para Portugal – Avançamos uns anos e estacionamos em 1987, ano em que o Porto conquista pela primeira vez a Taça Intercontinental para Portugal. É um dos jogos mais emocionantes da história, mais pelas condições atmosféricas do que pelo resultado. Na véspera, céu azul com um sol inchado, pleno de felicidade. No dia do jogo, um nevão de proporções inesperadas ataca a capital japonesa e os finalistas entram em campo para jogar com uma bola amarela sobre um manto branco. Das 3h30 às 6h05, a RTP transmite em direto a aventura japonesa – qual Tsubasa qual quê, é o Porto-Peñarol. O Porto, campeão europeu, com mangas curtas. O Peñarol, campeão sul-americano, com mangas compridas. E esta, hein?! Diz Sousa, o número 10 portista: “Já tinha jogado em relvados a nevar, como na Covilhã, mas aquilo em Tóquio era um campo de neve a nevar sem parar. Aliás, quando acordámos e vimos aquilo da neve, julgávamos que a organização ia adiar o jogo por um dia. Nada disso, eles obrigaram-nos a jogar, e nós, profissionais, obedecemos. Entrámos em campo com collants e luvas. Ao intervalo tirámos tudo; cada vez que caíamos, ficávamos encharcados e mais pesados.” O resultado glorioso começa a ser construído por Gomes, aos 42 minutos. O capitão emenda na linha de golo um remate de Madjer, preso pela neve. O uruguaio Viera empata perto do fim, aos 81 minutos, e lá vamos nós para prolongamento. No primeiro quarto de hora, nada de golos. No segundo, a magia. Diz Sousa, mais uma vez: “A nossa defesa afastou a bola e ela veio parar aos meus pés. Tinha dois adversários à minha frente e fingi que também ia despachar a bola. Foi uma simulação, passei por um e, quando o outro se aproximava, meti a bola para o Madjer. Ele ganhou a corrida ao defesa e fez um chapéu ao guarda-redes. A bola foi devagar, devagarinho para a baliza e entrou. Ficámos todos a olhar para ver se sim ou não. Felizmente, aquela parte da baliza estava pouco pisada e a bola rebolou lá para dentro. Foi uma alegria imensa, sabíamos de antemão que era o golo da vitória porque já não havia forças para mais. O banho de água quente no balneário foi o melhor que já tomei.” Na entrega do troféu, o argelino Madjer recebe o prémio de melhor em campo. É dinheiro? É mais neve? É um Toyota: “Ainda o tenho na minha casa em Vila Nova de Gaia, guardado na garagem. E funciona, sabes? Os japoneses são tramados, eficazes para sempre.”
2020, Jogos Olímpicos de verão – Falta menos de um ano para os Jogos Olímpicos. A expectativa é grande, enorme, XXL. Os Jogos Olímpicos mexem com toda a gente, chamam por nós como um íman. Durante duas semanas, os nossos sentidos palpitam insistentemente à procura do feito mais estrambólico de um atleta qualquer com nome impronunciável, de um país distante, a praticar um desporto “xpto”. É sempre a mesma coisa de quatro em quatro anos e, convenhamos, faz bem à alma. Porque vemo-nos envolvidos na mesma causa, a olímpica. Em Tóquio, o aliciante é também a viagem para o outro lado do mundo. Que ainda hoje, em pleno século XXI, é uma aventura rumo ao semidesconhecido, a uma sociedade social e cultural de características díspares, dignas de um Lost in Translation. Também tenho o sonho de apanhar o Tokaido Shinkansen, que percorre a linha de comboio entre Tóquio e Shin-Osaka. Qualquer coisa como 515 km. Estreado a uma semana dos Jogos Olímpicos em Tóquio durante o tal outono 1964, o comboio-bala fazia a viagem em quatro horas. É um tempo curioso. Agora, 55 anos depois, já só demora duas horas e vinte e dois minutos. Quase metade do tempo, portanto. Por cá, em Portugal, o Alfa Pendular demora duas horas e quarenta e um minutos a fazer Santa Apolónia-São Bento (313 km). E há 55 anos? Demorava três horas e vinte minutos. É brincadeira.