CASA DE HOMENS DAS LETRAS E DAS ARTES
A Livraria Lello é, desde 1906, casa de homens das letras e das artes, inspiração para famosos escritores, palco de tertúlias e espetáculos e serena biblioteca para muitos leitores da Invicta. Hoje, recebe, diariamente, milhares de ilustres visitantes de todo o mundo, que quando se deslocam ao Porto não perdem a oportunidade de entrar num magnífico edifício neogótico dos primórdios do século XX.
A história da Livraria Lello confunde-se com a dos irmãos Lello, que em 1906 abriram a livraria. José e António Lello nasceram na Casa de Ramadas, freguesia de Fontes, em Santa Marta de Penaguião, filhos de um proprietário rural. José Lello é o primeiro a vir para o Porto. Homem de cultura, amante da leitura, dos livros e da música, sonha tornar-se livreiro, o que vem a acontecer com a abertura da primeira livraria e editora, em 1881, com o seu cunhado. Após o falecimento deste, José Lello constitui a sociedade José Pinto de Sousa Lello & Irmão, com o irmão António Lello, nove anos mais novo. Os dois irmãos, conhecidos na cidade como os “irmãos unidos”, fazem parte de um círculo de ativos burgueses e intelectuais do Porto. Republicanos, fazem questão de se envolver na vida pública, no desenvolvimento industrial e comercial da cidade, bem como na sua atividade cultural, na fase de viragem do século. Os irmãos Lello estabelecem-se na Rua do Almada, desconhecendo ainda que o edifício que levaria o seu nome até ao próximo milénio se encontrava a poucos quarteirões. A atividade editorial da José Pinto de Sousa Lello & Irmão era marcada por uma paixão pelos livros e pela cultura. Este amor à arte deu origem à criação de edições especiais, editadas em número reduzido, com a colaboração de artistas plásticos, como ilustradores e pintores, e com enorme cuidado gráfico.
O início de uma história de sucesso
É em 1894 que José Pinto de Sousa Lello compra a Livraria Chardron, juntamente com todo o seu recheio. Embora estivesse já noutras mãos, esta livraria tinha feito o seu nome pela mão do francês Ernesto Chardron. Este influente editor era um motor do setor, tendo publicado as primeiras edições de obras eternamente sonantes como as de Eça de Queirós ou Camilo Castelo Branco, por exemplo. A ambiciosa ampliação da Lello e Irmãos precisava de ser acompanhada de um quartel condizente com a renovada importância no setor. O edifício da Rua das Carmelitas foi então remodelado pelo engenheiro Francisco Xavier Esteves e, em 1906, é inaugurado o espaço como hoje o conhecemos. A sensação que causou na cidade, nessa altura, ainda hoje se mantém.
Uma arquitetura notável
Francisco Xavier Esteves (1864-1944) foi o engenheiro responsável pela construção do edifício da Livraria Lello. Homem das ciências, formado em Engenharia na Academia Politécnica do Porto (1886), tinha um gosto particular pela literatura, que manifestou ainda nos tempos de faculdade. A sua afinidade com as letras fica para sempre marcada pela construção desta que é uma das livrarias mais emblemáticas do país e do mundo. O primeiro olhar recai sempre sobre a inconfundível fachada. De estilo neogótico, é impressionante por si só, mas disputa protagonismo com as duas figuras que a ladeiam, duas pinturas do professor José Bielman que simbolizam a Arte, segurando uma escultura, e a Ciência, que exibe um dos símbolos da antropologia.
Descobrir o interior
No interior, deparamo-nos com um conjunto de baixos-relevos onde se representam os fundadores da livraria, José Lello e António Lello. Ao longo da sala podem ser encontrados os bustos de alguns dos mais importantes escritores portugueses: Eça de Queirós, Camilo Castelo Branco, Antero de Quental, Tomás Ribeiro, Teófilo Braga e Guerra Junqueiro. Mas todos estes vultos têm a tarefa pouco invejável de competir, nas atenções, com a famosa escadaria carmim, e poucas descrições lhe fazem justiça. Subindo esta escada que dá acesso ao primeiro piso, é impossível não reparar no detalhe dos frisos que a rodeiam. De referir ainda o imponente teto. Este ilude quem o aprecia: parece que vemos madeira talhada, quando na realidade se trata de gesso pintado, técnica que também foi usada nos ornamentos da escada. Já o vitral é o que parece, uma estrutura em vidro com 8 metros de comprimento e 3,5 metros de largura. A insígnia Decus in labore, dignidade no trabalho, enlaçada no monograma dos irmãos Lello, lembra a regra de ouro que se aplica a todos os que entram nesta casa, sejam colaboradores, clientes, leitores ou apenas curiosos. O piso superior da livraria está recheado de detalhes arquitetónicos: o corrimão em talha de madeira, os apontamentos Art Déco nas paredes e as colunas que se erguem desde o piso inferior. Ao fundo da escada, podem ser encontrados dois bustos em bronze de Eça de Queirós e Miguel de Cervantes, ambos obras do escultor Abel Salazar. No piso inferior, descobrem-se diversos armários envidraçados com portadas em ogiva. Lá dentro estão os livros mais antigos da livraria, alguns têm a data da fundação da loja, outros são ainda mais antigos. Há também livros raros e primeiras edições.