A EMBOSCADA OLÍMPICA: PELO COMBATE AOS “PARASITAS”
Estamos em mês de Jogos Olímpicos (JO), evento único, na universalidade, no ecletismo, nos princípios, regras e valores – a ética que se alia à estética, em torno de um evento desportivo. Mas os JO vão muito para além do desporto. São geopolítica, diplomacia, negócios de milhões.
Não pode constituir surpresa o facto, provado, de que no domínio dos símbolos mais reconhecidos em todo o mundo só alguns símbolos religiosos conseguem ombrear com o logo dos cinco anéis entrelaçados. Nessa medida, ser patrocinador oficial de uns Jogos Olímpicos, do Comité Olímpico Internacional (COI), de um Comité Olímpico Nacional (CON), de tudo o que envolva os anéis olímpicos, é um privilégio, uma conquista que não está ao alcance de todos. Mas o retorno e o reconhecimento implicam mesmo muito investimento e, por conseguinte, exigem proteção jurídica das chamadas “propriedades olímpicas”, designadamente dos anéis olímpicos. A bem, essencialmente, do patrocinador – em vista da garantia da maximização das receitas que o evento proporciona – e do COI – que procura garantir o próprio futuro do evento, que luta para que que não se associem comercialmente aos JO empresas que desenvolvam atividades e tenham posturas alheias aos ideais olímpicos, sob pena de se denegrir a imagem do evento e os valores que o mesmo pretende propagar. Essa proteção jurídica passa por prevenção e repressão contra os “parasitas”, isto é, pelo combate a empresas que, sem oferecer qualquer apoio financeiro ou contrapartida, e sem qualquer contrato com o comité organizador e/ou com o COI, associam, direta e indiretamente, a sua marca aos JO, “fazendo-se passar” por patrocinador oficial. Por via de estratégias criativas, abusivas, pouco éticas, mas, quando vistas isoladamente, nem sempre ilegais – não passam necessariamente por contrafação, por usar o logo do evento ou marcas registadas –, tais empresas aproveitam-se comercialmente do evento, parasitando sobre direitos exclusivos de terceiros, beneficiando de investimentos alheios, que minam.
Vantagens comerciais
As vantagens comerciais para um ambush marketer são óbvias. Sai, de facto, muito mais fácil, rápido e barato atuar, enganosamente, para fazer crer na mente do (tel)espectador, do consumidor, que se é patrocinador oficial dos JO, sem o ser. Assim se capitaliza a popularidade de um evento único sem ter de pagar para tal. Sendo um problema atual, o ambush marketing já tem décadas. E diferentes edições dos JO foram marcadas por este fenómeno. Por exemplo, nos JO de Barcelona 1992, a American Express publicitou o seguinte: “Você não precisa de um visa [visto] para visitar Espanha”. Isto porquê? Porque a Visa era patrocinadora oficial do evento. Por seu turno, nos JO de Atlanta, em 1996, a patrocinadora oficial foi a Reebok, mas quase ninguém o diria porquanto a Nike cobriu a cidade de cartazes e distribuiu bandeiras que os participantes e espectadores ostentaram. De facto, muita gente ficou convicta de que a Nike, essa sim, seria a patrocinadora oficial. E outros exemplos há entre “rivais” – Kodac vs Fuji; Coca-Cola vs Pepsi Cola –, assim como de empresas new comers que se querem dar a conhecer num “relâmpago”, durante os JO. Casos também há em que os próprios atletas são usados pelas empresas, pagos para materializar a emboscada… Pergunta, e bem, o leitor: mas não existe já proteção legal para semelhante fenómeno? Sim, existe. Mas para que seja suficiente é preciso que a conheçamos e a façamos cumprir.
Proteção a nível internacional
A proteção a nível internacional está no “Tratado relativo à proteção do símbolo olímpico”, de 1981, mas sobretudo na Carta Olímpica, documento emanado do COI, que confere a este a “propriedade exclusiva” dos “direitos sobre os JO e propriedades olímpicas”. Estão em causa “todos os direitos relacionados” com os JO, conexos com a “organização, exploração, divulgação, registo, representação, reprodução, acesso e disseminação sob qualquer forma e através de quaisquer meios ou mecanismos, existentes atualmente ou desenvolvidos futuramente”. E protegem-se ainda propriedades olímpicas como “símbolo olímpico, bandeira, lema, hino, identificações (incluindo mas não limitado a “Jogos Olímpicos” e “Jogos da Olimpíada”), designações, emblemas, chama e tochas”. Por sua vez, no plano nacional, a Carta Olímpica é muito exigente para com os CON, exigindo-lhes, designadamente, que tomem “as medidas necessárias de forma a impedir a existência de utilização abusiva (…) de qualquer propriedade olímpica”, que se empenhem “na obtenção de proteção jurídica, em benefício do COI”, ou que assegurem que “o emblema olímpico (…) seja registado”. Quanto aos Estados, sempre que há um evento como os JO adota-se legislação específica – o Ato Olímpico – que também abarca a luta anti-ambush marketing. Luta que, por exemplo, o Estado português trava de forma exemplar, resultado de ação concertada com o Comité Olímpico de Portugal que resultou num diploma de 2012 que visa “estabelecer a proteção jurídica das propriedades olímpicas”, com reforçados “mecanismos de combate a qualquer forma de aproveitamento ilícito dos benefícios decorrentes dos mesmos”, em particular insuscetibilidade de registo de marcas; nulidade do registo de marcas; ilícitos contraordenacionais (coimas); retenção ou suspensão do desalfandegamento de mercadorias; apreensão de objetos, materiais e instrumentos, e, no geral, aplicação estrita do Código da Propriedade Industrial. Apliquemos o spray. Os parasitas andam por aí.