POLÍTICA ECONÓMICA EUROPEIA: QUE ALTERNATIVAS?
Eduardo Catroga defende uma “interpretação flexível” do Tratado Orçamental, aliado a reformas estruturais em todos os países da zona euro, para as quais tem faltado “vontade política”.
“Sem o apoio [da troika] os países periféricos teriam caído na bancarrota. É um facto inelutável.” A frase é de Eduardo Catroga, durante um ciclo de jantares sobre Europa, Portugal e o Euro, organizado pelo Centro Nacional de Cultura, Associação Portuguesa de Imprensa e Grémio Literário, em que o ex-ministro foi guest-speaker sob o tema “Alternativas na Política Económica Europeia?”. O gestor assumiu a possibilidade de uma “interpretação flexível” do Tratado Orçamental para países como Portugal e “a revisão das metas europeias de redução do stock das dívidas públicas, com a fixação de objetivos intermédios, país a país, com o alongamento dos prazos para a consecução do objetivo de referência dos 60% do PIB, com um objetivo intermédio mais flexível”, e considerou “desejável” que países como a Alemanha seguissem, a prazo, “políticas orçamentais mais expansionistas”. Eduardo Catroga lembrou que as dificuldades das economias europeias no novo contexto da economia mundial se expressaram “na queda do PIB potencial, num crescimento económico cada vez mais fraco numa perspetiva de médio e longo prazo (estagnação da produtividade e da população ativa), e na perda de quotas de mercado no comércio internacional”. Mas acredita que o gap de crescimento EUA/Europa “não se pode explicar pelas diferenças de política orçamental ou de política monetária”, como muitos têm defendido, mas sim pela “ausência de mecanismos típicos do Federalismo”, que não existem na zona euro. O economista apontou duas explicações para a fragilidade destas economias. A primeira aconteceu em 2008-2009, quando os países do Norte da Europa, com excedentes financeiros, se recusaram a continuar a financiar os países do Sul e lembrou o “investimento de má qualidade, público e privado” que foi feito nessas regiões. Em 2010-2012, aponta a segunda vaga da crise na zona euro, provocada pela subida rápida das taxas de endividamento público direto e indireto “que os investidores privados se recusam a continuar financiar em condições normais devido à perceção de ‘risco país’ elevado”. Com estas duas consequências, Catroga defende então que os países como Portugal teriam caído na bancarrota sem a ajuda da Comissão Europeia, FMI e Banco Central Europeu.
Falta de mecanismos de federalismo
O ex-ministro culpa a falta de mecanismos de federalismo para fazer face a situações como a que se viveu, lembrando que “se a dívida pública fosse federal, e dado que a zona euro tem excedente externo desde 2010, uma dívida pública federal da zona euro seria financiada sem dificuldade a partir da poupança da zona euro”. Com a zona euro assente nos mecanismos atuais, Catroga não alinha nas correntes de pensamento que têm defendido que foi a estratégia económica executada na zona euro a partir de 2008 que provocou, sobretudo nos países periféricos da zona euro, o recuo do poder de compra da população, o empobrecimento relativo e o aumento do desemprego. “Mas teria sido possível uma outra estratégia”, pergunta o gestor, considerando que a redução da procura interna teria que ter sido sempre levada a cabo, embora se possa discutir as “vias utilizadas” para o fazer. Hoje até acredita que “teoricamente” já se poderia utilizar o chamado “multiplicador orçamental” para que um aumento de défice público global na zona euro provocasse um impacto positivo sobre o PIB europeu, a curto prazo. Mas no longo prazo defende que isso só seria desejável “se o acréscimo de endividamento público for aplicado em investimento público reprodutivo, e não em investimento público mau ou pouco reprodutivo”. É este, aliás, o princípio que levou a prever no “Plano Juncker” que as contribuições dos Estados-membros para o Fundo Europeu de Investimento sejam dedutíveis ao objetivo do défice público máximo aceite (3% do PIB), recordou. Eduardo Catroga antecipa que as “historicamente baixas taxas de juro na zona euro” possam subir com a subida do preço do petróleo e das matérias-primas e outros fatores de risco. Por isso, defende que a conjuntura atual “deve ser aproveitada para a obtenção de saldos primários orçamentais consistentemente positivos, sobretudo no caso dos países com níveis de endividamento público superiores à média (Portugal, Grécia, Irlanda, Itália…) ou nos que apresentam trajetórias preocupantes no rácio da dívida pública (casos da França, Espanha…)”. Isto, claro, sem esquecer a possível “interpretação flexível das regras do Tratado Orçamental”. Ao nível da questão das taxas de juro, seria necessário que elas fossem na ordem dos 0,5% a 10 anos para que a zona euro tivesse uma política monetária expansionista. Quanto ao Quantitative Easing (QE) que vai ser lançado pelo BCE na zona euro, Catroga lembra que o objetivo oficial é fazer subir a taxa de inflação para um valor próximo do objetivo dos 2%, para se evitar o risco de deflação. Mas, “na realidade, o QE tem outro efeito eventualmente mais poderoso: representa, de facto, na medida de compra de dívida pública pelo Banco Central, uma anulação da dívida pública, uma verdadeira monetização dessa parcela”, diz o economista, para quem este QE pode também vir a ser “na prática, essencialmente, um instrumento de política fiscal de melhoria da solvabilidade orçamental”.
Políticas monetárias expansionistas
E terão as políticas monetárias expansionistas vindo para ficar? Catroga aponta cinco razões principais que levam a pensar que os bancos centrais terão muita dificuldade em sair de políticas monetárias muito expansionistas: “contexto de baixa inflação; fraqueza do crescimento potencial; impacto na valorização da carteira de obrigações dos investidores institucionais e bancos; níveis elevados das taxas de endividamento; guerra de taxas de câmbio”. Mas para o ex-ministro de Cavaco o “antídoto” para garantir a competitividade da zona euro e a sua estabilidade macroeconómica terá sempre que passar não só pela necessária disciplina financeira que tanto tem sido apregoada, como por “uma política económica europeia mais integrada”, que exigirá sempre “mais integração política”. É por isso desejável, diz ele, uma reforma do modelo institucional da Europa, o que é de difícil concretização, dadas as preferências políticas e sociais muito diferentes entre Estados-membros. A “questão estrutural da economia europeia chave é a da competitividade”, defende Catroga, exigindo por isso “vontade política no sentido da implementação de políticas estruturais do lado da oferta de bens e serviços, para a revitalização do tecido produtivo e do emprego”. Mas assume que “as reformas estruturais que as economias europeias necessitam para impulsionar a sua competitividade, o seu crescimento potencial, o investimento produtivo e o emprego têm que ser essencialmente nacionais”, e “todos os países europeus precisam de reformas estruturais profundas e de qualidade”, garante. Uma maior competitividade fiscal, a reforma estrutural da despesa pública, a simplificação do aparelho do Estado, as melhorias de funcionamento nos mercados de bens e serviços, no sistema de justiça e na qualidade das instituições são apenas algumas dessas reformas. Mas para essas, diz, “tem faltado vontade política”.