Recordar o genocídio do Ruanda
Há 25 anos que o Ruanda ficou ensanguentado com um horrível genocídio tão breve quanto violento. Entre os meses de abril e julho de 1994, ruandeses hútus extremistas massacraram em condições atrozes os seus compatriotas tútsis e os hútus moderados.
A loucura assassina foi desencadeada na sequência de um atentado cometido em 6 de abril de 1994, quando mísseis abateram o avião onde ia o Presidente ruandês hútu da altura, Juvenal Habyarimana. As circunstâncias e responsabilidade do atentado não são ainda hoje verdadeiramente conhecidas, mas a partir deste acontecimento e durante cem dias, cerca de um milhão de ruandeses foram assassinados, tendo-se desencadeado uma invulgar barbárie, em relação à qual as potências internacionais foram absolutamente impotentes. Porém, passado um quarto de século deste massacre o Ruanda tornou-se um ator-chave em África. Com efeito, este país, mais pequeno que Portugal, soma resultados económicos surpreendentes, como uma taxa média de crescimento anual de 8%, queda de 2/3 da mortalidade infantil, ampliação do seguro de saúde a 91% da população. O Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional aplaudem os desempenhos de um país que é dirigido com mão de ferro por um único homem, o Presidente tútsi Paul Kagame.
Liderança em África
No poder sem interrupção desde 2000, Kagame foi reeleito em 2017 com 98% dos votos, um número que surpreende mesmo em África e que diz muito da popularidade deste chefe de Estado ou sobre o funcionamento da democracia no Ruanda. Isto não impediu Kagame de se tornar Presidente da União Africana de 2018 a 2019, permitindo-lhe renovar a instituição e de se tornar um interlocutor incontornável em África, ao ponto de a revista Forbes o ter eleito “Africano do Ano” de 2018. Contudo, a pergunta que se coloca é como é que este se tornou um dos principais atores da cena africana? A primeira razão é de ordem emocional. Após o genocídio, Kagame conquistou facilmente o poder, dado que a comunidade internacional, aterrada pelas atrocidades cometidas contra os Tútsis, dá um apoio unânime, como forma de fazer justiça, a um dos seus representantes. A segunda razão é geopolítica, dado que o Ruanda é um pequeno país sem litoral, encravado geograficamente, onde Kagame, desde cedo, jogou a sua proximidade pessoal com a maior parte dos vizinhos. Para fugir da violência de que os Tútsis eram vítimas, a família Kagame refugia-se no início dos anos 1960 no Ruanda, e ele integra com 20 anos uma tropa de rebeldes vindos da Tanzânia que lutam no Uganda, ao lado de refugiados ruandeses, contra o tirano louco Idi Amin Dada. Os méritos de Paul Kagame são rapidamente reconhecidos no seu país de adoção tornando-se major do exército ugandês, ocupando depois um lugar nos serviços militares de informações. Efetua mesmo no início dos anos 1990 um estágio de comando nos Estados Unidos e a partir daí a sua influência regional e internacional não parou de aumentar. Nesta altura, torna-se chefe da Frente patriótica ruandesa criada no Uganda e os seus soldados entram em força no país onde estala uma guerra civil entre Tútsis e Hútus, que culminará com o terrível genocídio de 1994. Muitos acusam, ainda hoje, Kagame de ser o instigador do atentado que custou a vida ao então Presidente, mas o inquérito conduzido por juízes antiterroristas franceses nunca chegou a uma conclusão definitiva.
Ligação ao Congo
O poder de Paul Kagame estendeu-se também à República Democrática do Congo, onde o homem forte ruandês exerce enorme influência por ter apoiado o Presidente Kabila a eliminar o marechal Mobotu, que fugiu do país em 1997, o que levou à celebração de uma aliança militar entre os dois países. Porém, as relações de Kagame com o Congo deterioraram-se desde a chegada ao poder do jovem Joseph Kabila em 2001, embora aquele sempre tenha afirmado apenas querer perseguir os rebeldes hútus ali refugiados. Os congoleses, contudo, acusam-no de querer assaltar as imensas reservas de minérios muito procurados, na província do Kivu. Muitos observadores asseguram que, na verdade, Kagame só pensa em desmembrar o Congo e em partilhar as suas riquezas com os países vizinhos, desafio considerável dado que o Ruanda possui um território quase cem vezes mais pequeno que o seu vizinho congolês. Paul Kagame acumulou, assim, poder e alterou mesmo a Constituição, podendo ficar no poder até 2034! Quanto aos opositores que foram eliminados e ao respeito dos Direitos do Homem, a resposta do Presidente ruandês é categórica: “Não aconselho ninguém a intrometer-se nos assuntos internos do Ruanda”…