Eleições italianas e a imprevisibilidade europeia
Após os resultados conhecidos das eleições italianas, que varreram politicamente, quase por completo, o centro-direita e o centro-esquerda, os resultados parecem projetar na Europa um recuo do aprofundamento da União Europeia e, sobretudo, uma enorme imprevisibilidade na sua evolução.
Esta imprevisibilidade agravou-se em eleições recentes noutros países como Holanda, Áustria ou na própria Alemanha onde a extrema-direita tem assento com alguma expressão no Parlamento, desde a Segunda Guerra Mundial, tudo apimentado com a variável Brexit. Na Itália, onde nos habituámos a assistir a solavancos vários, constata-se que o bipolarismo entre o PD – Partido Democrático de Matteo Renzi, pela primeira vez sufragado, e a FI – Forza Italia do ressuscitado Silvio Berlusconi, incapaz de indicar o seu sucessor, teve o seu final e, aparentemente, caso existam mortes em política, também o das suas personagens. Emergem, assim, o Movimento 5 Estrelas de Beppe Grillo, que tem agora como ventríloquo Luigi di Maio e, ainda, a Liga de Matteo Salvini, a quem já apelidaram de o Le Pen italiano, que deixou, contudo, cair a bandeira da independência regional do seu antecessor Umberto Bossi, mas que, ideologicamente, assenta em temas igualmente fraturantes como o euroceticismo, as questões fiscais e a imigração. O que é certo é que estes dois partidos eurocéticos, embora com relações conflituais, representam mais de 50% dos votos do eleitorado italiano, o que significa que nenhum governo pode ser formado sem a participação de um destes partidos.
Formação de alianças
Assim, mais do que a formação de alianças na nova geografia política italiana para constituição do novo governo, importa refletir sobre o que se está a passar na Europa e saber se o avanço das forças populistas, contrárias ao aprofundamento da União Europeia, vão erodir o projeto comunitário, desacelerá-lo ou simplesmente neutralizá-lo, com especial ênfase no domínio da União Económica e Monetária e da moeda única. Com efeito, o presidente da Comissão Europeia, Jean Claude Juncker, confesso federalista, não vai poder continuar a apresentar propostas no sentido de um aprofundamento e vai ter de se contentar com reformas modestas, sob pena de estas serem chumbadas no Conselho e no próprio Parlamento Europeu que, embora ainda não refletindo a recomposição política dos novos governos saídos das eleições legislativas respetivas, tem vozes fortes oriundas destas correntes políticas ideológicas. E sendo a Itália um Estado-membro fundador das Comunidades, a terceira maior economia da zona euro, com a chegada ao poder de forças populistas pode muito bem pôr em causa, em conjunto com outros países alinhados, as metas da disciplina orçamental, nomeadamente em matéria da redução do défice e da dívida pública e, sobretudo, a conclusão da união bancária e a criação de um fundo monetário europeu através da transformação do mecanismo europeu de estabilidade. O efeito de contágio é previsível que se alastre ainda a outras matérias como a imigração, os refugiados e a segurança e defesa.
Previsibilidade do comportamento
A solidez que resulta da previsibilidade do comportamento dos países e dos governos da União Europeia parece ter chegado ao fim e está-se em vias de se abrir uma nova era onde a instabilidade é um fator que não pode deixar de ser tido em conta na decisão comunitária, sendo para isso necessário inventar um novo paradigma estratégico de orientação para as reformas que, apesar de tudo, ainda se impõem num quadro emoldurado pela paz e prosperidade.