A RECONSTRUÇÃO DO PALÁCIO DE SÃO BENTO
O edifício Palácio de São Bento, atual sede da Assembleia da República, não foi construído com a imagem que hoje conhecemos. Pelo contrário, as suas origens eram bem mais modestas, pois o edifício foi erguido em finais do século XVI como mosteiro beneditino.
Em meados do século XIX, com a extinção das ordens religiosas em Portugal, o edifício Palácio de São Bento passou para a propriedade do Estado, e depois da implantação do regime liberal tornou-se sede das Cortes Gerais da Nação, passando a ser conhecido por Palácio das Cortes (entre 1834 e 1911). A grande transformação do edifício ocorreu entre 1896 e 1903, como consequência da sua destruição pelo incêndio que deflagrou em 1895. A reconstrução foi uma oportunidade para transformar o antigo mosteiro num palácio, através do projeto do arquiteto Ventura Terra, que lhe conferiu uma dimensão monumental, da qual se destaca a magnífica Sala de Sessões. Nas décadas seguintes foram executadas obras nas zonas envolventes do palácio. A reconstrução terminou em 1903, mas nos arquivos não constavam registos fotográficos sobre a execução da obra. Quando exerci o cargo de bastonário da Ordem dos Engenheiros, dediquei particular atenção ao espólio da biblioteca da Ordem, que reúne um notável conjunto de álbuns fotográficos de obras públicas executadas no último quartel do século XIX e no início do século XX, ainda com uma excelente qualidade. A razão é compreensível: apesar de a Ordem dos Engenheiros ter sido constituída em 1936, a Associação dos Engenheiros Civis Portugueses foi criada em 1869 e, na época, os registos das grandes obras públicas eram partilhados com aquela associação. Por coincidência, entre esses registos encontrava-se um álbum de 33 fotografias em platinotipos, de grande qualidade técnica e boa execução formal, que registam diversas fases da reconstrução do edifício da Assembleia da República. As fotografias originais foram tiradas entre 1896 e 1903, pelo menos em quatro sessões de trabalho, como atestam os registos de diferentes fases da obra. Embora apresente a autoria fotográfica de “A. Serra Ribeiro”, provavelmente terá sido um fotógrafo até agora não identificado que as criou ao serviço da “Photographia Americana”. A dimensão das imagens, 23×28,5 cm, parece indicar que foram impressas por contacto a partir de negativos em suporte de vidro no formato 24×30 cm. Nesta casa fotográfica trabalhou H. Tisseron, fotógrafo da Casa Real (1865).
Importância e qualidade
Perante a importância e a qualidade das fotografias, a Ordem dos Engenheiros encomendou o restauro das 33 fotografias à Divisão de Documentação Fotográfica do Instituto Português de Museus, bem como a execução de duas cópias, uma das quais foi oferecida, em 2009, a Aníbal Cavaco Silva, então Presidente da República, e outra a Jaime Gama, à data presidente da Assembleia da República, passando a constar do museu da Assembleia. A partir das fotografias foi possível visualizar diferentes fases da construção da estrutura da cobertura e de outros elementos, bem como o local onde se encontrava o busto do rei D. Carlos. Passados mais de 100 anos, ficamos surpreendidos com a qualidade das fotografias e com a preocupação de se manterem registos das grandes obras da época, que chegaram até aos nossos dias. Dentro deste espólio da Ordem dos Engenheiros, destaco o projeto da Torre Eiffel, de Paris, construída para a Exposição Universal de 1889, bem como o projeto da ponte de Entre-os-Rios, infelizmente recordada pelas piores razões. Naturalmente que surge uma pergunta: “Na época do digital e de tantas mudanças das organizações públicas, quem assegura o registo dos projetos e da informação sobre a construção das grandes obras públicas, para que daqui a 100 anos as gerações futuras possam ter acesso a essa informação, tal como sucedeu na nossa geração?” É um tema esquecido pela Sociedade da Informação, mas que justifica uma reflexão sobre a necessidade de constituição de um depósito obrigatório dos projetos de obras públicas e do registo da sua execução, para memória futura. O Laboratório Nacional de Engenharia Civil poderia ser o local certo para tal fim.