CARLOS MINEIRO AIRES

UMA PANDEMIA – Pandemia causa pânico e histeria coletiva e todos temos de estar cientes que quanto maior for a sua dimensão mais complicada será a capacidade de resposta. Em Portugal e em qualquer país do mundo desenvolvido. Confesso a minha preocupação na altura em que escrevo este artigo, cujo tema, face à imprevisibilidade do presente e do futuro, só pode causar apreensão a todos os cidadãos e à comunidade internacional. Refiro-me, como já perceberam, à situação de emergência de saúde pública de âmbito internacional, bem como à classificação mais recente do vírus COVID 19 como pandemia. 

Estamos a viver momentos muito difíceis e a assistir à evolução exponencial do número de casos, e, mais grave, à sua disseminação transcontinental. Também já percebemos que este inimigo silencioso é altamente letal e que o seu principal veículo de transmissão é o homem. Por mera coincidência, encontrava-me em Macau, tendo também visitado a China, na altura em que as autoridades chinesas decidiram informar que um novo coronavírus, agora denominado Covid-19, havia sido detetado como agente causador dos primeiros casos de pneumonia. Quando regressei a Portugal, uma semana depois, os engenheiros e os órgãos de comunicação social enalteciam, boquiabertos, a capacidade da engenharia chinesa para poder construir, em 10 dias, um tempo recorde, hospitais de grande capacidade (1000 camas) para acolher os primeiros infetados, passando vídeos com a mobilização e concentração, num só local, de meios de que não dispomos em todo o país, sobretudo depois da outra crise de que ainda estamos a sair (resgate financeiro do país, perda da soberania e imposições externas da troika). 

Situação preocupante – Pareceu-me óbvio que alguma coisa não batia certo, pois, em boa verdade, nunca vi ninguém matar um mosquito com um canhão. Foi essa demonstração da capacidade das empresas chinesas que me fez concluir o evidente: só podia tratar-se de uma situação preocupante, cuja potencial perigosidade foi eventualmente desconsiderada na fase inicial, e quando se constatou a sua gravidade já foi tarde para poder ser assegurada a necessária partilha e coordenação internacional. Entretanto, milhões de pessoas viajaram e partilharam durante longas horas os mesmos espaços, cruzaram-se nos mais diferentes e recônditos aeroportos e saíram tranquilamente para os seus destinos, locais de trabalho, restaurantes, discotecas, espetáculos, feiras, congressos, etc., sem saberem que eram pulgas que os ratos voadores tinham disseminado pelo mundo, sendo os atores de uma repetição histórica das pandemias da peste negra e da bubónica que também passaram a ser veículos transmissores. 

A história repete-se – Mais recentemente, há cerca de 100 anos, quando o Mundo ainda recuperava da I Guerra Mundial que matou cerca de 20 milhões de pessoas, surgiu uma pandemia de gripe, a Espanhola. A guerra tinha terminado no final de 1918, mas no seu regresso a casa os soldados levaram o vírus, estimando-se que tenham morrido muito mais de 50 milhões de pessoas. Muito embora as viagens aéreas não fossem vulgares na época, a gripe espanhola foi disseminada de forma mais lenta, por comboio e navios, sendo que poucas as zonas da terra que não foram contaminadas. A história repete-se, mas os erros também, o que torna óbvio que o encerramento das fronteiras e a adoção de criteriosas medidas de controlo serão o único meio de confinar o problema dentro de cada  país. Certamente que todos acompanham as evoluções recentes, salvo se se encontrarem maioritariamente dentro do perigoso grupo de risco dos descrentes, o que não creio, e continuem a frequentar aglomerações, festas e jantaradas em lugares populosos e, até, a promover private parties temáticas dedicadas ao Coronavírus. O pior cego é o que não que não quer ver, diz o povo. 

Capacidade de resposta – Para além da gestão que o Governo tem feito em relação à pandemia, que muito sinceramente me parece atenta e adequada, até mesmo inesperada para um país com tão fracos recursos como Portugal, já o mesmo não se pode dizer da União Europeia que, talvez por ter percebido que vai ter de abrir os cordões à bolsa, tarda em adotar medidas, mesmo quando até o impagável Presidente Donald Trump parece ter despertado do seu habitual estado letárgico de ceticismo em tudo o que respeita a preocupações globais. Em paralelo, os profissionais de saúde, incansáveis e exaustos, receberam um espontâneo aplauso público dos portugueses e constatámos que, afinal, para as nossas posses, até estamos bastante bem apetrechados em termos de hospitais e meios. Uma pandemia causa pânico e histeria coletiva e todos temos de estar cientes que quanto maior for a sua dimensão mais complicada será a capacidade de resposta. Em Portugal e em qualquer país do mundo desenvolvido. Casualmente, tive acesso a um semanário que me permite recordar que, em 2011, quando nos encontrávamos submissos à troika, um estudo feito para o Ministério da Saúde admitiu haver médicos a mais e propôs dispensar, entre 2012 e 2015, centenas de especialistas, entre os quais pneumologistas, e a tomar medidas para acabar com serviço extraordinário. 

Impacto na economia – É óbvio que o encerramento das fronteiras e a adoção de criteriosas medidas de controlo serão uma medida ajuizada para confinar o problema dentro de cada país. Admitindo que vamos mais cedo ou mais tarde conseguir conter e erradicar esta pandemia – o que poderá acontecer num prazo que ninguém sabe, nem arrisca opinar –, temos a certeza de que esta situação abalou séria e seguramente a de Portugal, país altamente exposto e sem capacidade financeira para poder tomar medidas de mitigação. O primeiro e talvez mais grave impacto já atingiu a TAP e o setor do turismo, e toda a fileira, bem como muitas empresas, o que vai ter sérias implicações no PIB e na empregabilidade de uma larga faixa da população, sobretudo nos mais jovens e nos emigrantes. Tal não será novidade, porque os economistas e os próprios decisores políticos estavam cientes da elevada exposição e dependência da nossa economia ao turismo e porquanto os investimentos criadores de bens transacionáveis não têm tido o crescimento desejável e capaz de assegurar uma base sólida para a nossa economia. A par com a recessão já sentida, porque esperada, as nossas exportações tradicionais correm sérios riscos de ser afetadas, o que já se começou a sentir, uma vez que a paralisação das atividades e mercados cada vez mais globalizados terão consequências incontroláveis, tudo dependendo do tempo para estancar a pandemia e da posterior recuperação da confiança. 

Infelizmente, bem receio que a ameaça do Diabo possa estar de volta.