LUÍS MIRA AMARAL

O EURO, O BCE E OS ALEMÃES – Com a liberdade de circulação de capitais na União Europeia, os países europeus viram-se forçados a acompanhar as taxas de juro fixadas pelo Bundesbank, perdendo na prática a autonomia da sua política monetária. Ao contrário da opinião generalizada, a Alemanha perdeu soberania monetária com o euro, pois passou a ser o BCE a fixar essas taxas no espaço europeu. Basta ver o desconforto alemão para com o BCE para perceber isso. Com a crise começada em 2008 os principais bancos centrais enveredaram por políticas monetárias não convencionais, com taxas de juro negativas para os depósitos (neles) dos bancos comerciais e expansão dos seus balanços, criando moeda para: injetar liquidez na banca comercial, visando reforçar o crédito à economia real (credit easing), começado no BCE por Trichet; compra de títulos nos mercados (quantitative easing – QE), lançado no BCE por Draghi. O QE permitiu a compra em mercado secundário dos títulos das dívidas soberanas europeias, reduzindde forma impressiva as taxas de juro efetivas (yields) de tais títulos de renda fixa, que são referência para o mercado, e estabilizando os mercados de dívida pública. 

Para compreender o efeito do QE na dívida pública portuguesa, basta dizer que em 1990 (estava eu no Governo) tínhamos uma dívida pública de 55% do PIB, mas pagávamos em juros da mesma 8,1% do Produto. Agora, com mais de 120% de dívida pública em relação ao PIB, pagamos apenas 3,5% do PIB por esses juros! Abençoado euro e santo BCE!! Esse desconforto alemão em relação ao QE do BCE começa logo nos jovens. Numa aula do programa “Economics for Engineers dos mestrados do IST, um aluno disse-me que o BCE não tinha mandato para executar o QE. Expliquei-lhe que um banco central tem mandato para assegurar a estabilidade de preços, devendo atuar na ameaça de disparo quer da inflação quer da deflação. Ora perante essa ameaça séria de deflação (japonização) da economia europeia, era lícito ao BCE criar moeda e injetá-la na economia, sendo o QE um instrumento para tal. Gerou-se discussão e eu perguntei-lhe: “Where are you from?”. Era alemão… 

Para uma economia altamente endividada como a portuguesa, o BCE acaba por ser mais importante que a Comissão Europeia, até porque esta não é um governo federal. Neste contexto e sabendo que a Alemanha quereria ficar agora com a presidência do BCE ou da Comissão, era crucial para nós que o falcão do Bundesbank não fosse para o BCE, pondo em causa a sua actual política monetária. Assim era claramente preferível para nós que a Alemanha ficasse com a presidência da Comissão Europeia, atribuindo a presidência do BCE a uma personalidade não alemã. Felizmente assim aconteceu, ficando a Alemanha com a presidência da Comissão e a francesa Lagarde à frente do BCE. 

Neste contexto, o nosso PM estava a ver o filme ao contrário quando queria um holandês à frente da Comissão, o que teria levado o alemão para o BCE.