LUÍS LOPES PEREIRA

Caminhar para uma provedoria de doentes

A Organização Mundial de Saúde proclamou o patient empowerment como um processo através do qual tanto indivíduos como comunidades ganham mais controlo sobre as ações que afetam a sua saúde. Nesse processo consideram-se quatro componentes fundamentais: o doente tem que entender o seu papel; o doente deve adquirir conhecimento suficiente para interagir com o seu prestador de saúde; o doente deve ter aptidões para estar envolvido na gestão da sua doença e deve existir um ambiente facilitador deste processo. A partir daqui definiu-se o patient empowerment, um conceito no qual os doentes entendem o seu papel, recebem do prestador de saúde conhecimento e aptidões para desempenhar uma determinada tarefa relacionada com a sua saúde, num ambiente que reconhece as diferenças culturais de uma comunidade e encoraja a participação dos doentes na gestão da sua condição. Na realidade este caminho deve ser percorrido por todos nós, envolvidos ou não em atividades ou com responsabilidades relacionadas com a saúde. Mas gostava desta vez de referir o papel importantíssimo que as associações de doentes têm tido no processo de patient empowerment. A história da saúde em Portugal estará sempre ligada à Associação Protetora de Diabéticos de Portugal, pois foi uma das primeiras associações de doentes do mundo e mais não fez do que dar empowerment aos doentes, percorrendo todos os quatro pontos fundamentais acima descritos, mesmo quando o ambiente não facilitou esse trabalho. Mais recentemente, com as melhorias no tratamento de doenças antes mortais e agora crónicas, as respetivas associações de doentes mostraram-se fundamentais no processo de acesso dos doentes às novas terapias, o que seria impossível sem dotar os doentes de conhecimento e aptidões para poderem lutar pelos seus direitos. Logo a seguir à abertura de Portugal à democracia, a Associação dos Doentes com Insuficiência Renal teve um papel determinante para que estes doentes começassem a ser tratados. Mais tarde vieram as Associações que se bateram pelos doentes com VIH e com VHC (Hepatite C). Cada vez mais surgem associações que unem os doentes com patologias específicas e muito diferenciadas. No site da Associação Portuguesa da Indústria Farmacêutica (APIFARMA), que tem apoiado em muito estas associações, encontrei uma lista de 44 diferentes associações de doentes. Estou certo que para existirem foram criadas através da vontade de cidadãos que, por razões pessoais ou familiares, assumiram uma causa, envolveram-se, adquiriram mais conhecimento e trabalham no sentido de fazer mais e melhor pelos doentes que representam. No ano passado a Associação das vítimas dos hospitais, Apovita, defendeu a nomeação de um provedor em cada unidade de saúde, algo que já encontramos em algumas unidades hospitalares do país e que, por exemplo, em França tem um projeto lei a decorrer. Também existe em Portugal um provedor de saúde no hospital, uma figura criada no âmbito das Parcerias Público-Privadas para gestão de Hospitais Públicos. É certo que a atual conjuntura requer que toda a gestão da saúde se centre no doente. Como tal seria bom refletirmos se faz sentido haver uma provedoria geral dos doentes, com enfoque não só nos seus direitos e deveres, mas ativa na garantia de que o processo de patient empowerment é desenvolvido com mais urgência e com mais determinação. Esta provedoria, a existir, deverá na minha opinião ter uma independência absoluta. Os sistemas de saúde tendem a misturar prestadores e pagadores de saúde nas mesmas organizações, o que pode originar conflitos de interesse e colocar em causa os direitos dos doentes. Nesse sentido é imperativo que estas instituições reguladoras e de defesa dos utentes tenham total autonomia.