ADALBERTO CAMPOS FERNANDES

“O FOCO NA PROXIMIDADE SERÁ O EIXO ESTRUTURANTE DE UMA VERDADEIRA REFORMA DO SNS”

Adalberto Campos Fernandes é o ministro da Saúde do XXI Governo Constitucional. Em entrevista à FRONTLINE, o ministro afirmou que os portugueses “têm razões para ter confiança e orgulho no nosso sistema de saúde e em particular no Serviço Nacional de Saúde”, uma vez que o “sistema de saúde português tem vindo a ser avaliado de forma muito positiva”. Um dos temas recorrentes no debate político tem que ver com financiamento e sustentabilidade e, em relação a este tema, Adalberto Campos Fernandes foi bem claro: “as necessidades em saúde são crescentes como é consensualmente reconhecido por todos. Ao Estado cumpre garantir o cumprimento escrupuloso dos princípios da universalidade, da cobertura geral do acesso em condições de equidade e de qualidade. Portugal tem cumprido grande parte destes critérios, mas tem ainda pela frente enormes desafios”. Para o futuro, o ministro aposta, com vista à reforma do SNS, na “transformação digital, tornando a relação dos profissionais e dos utentes com o sistema mais fácil, mais próxima e mais simples”. Tudo isto para que, em 2019, quando o SNS celebrar 40 anos de existência, este possa celebrar o “melhor desempenho da sua história”, concluiu o ministro.

 

A meio da legislatura qual o balanço que faz da ação do Governo e como projeta a segunda metade da legislatura?

O programa do XXI Governo Constitucional definiu como objetivos prioritários a transformação do Serviço Nacional de Saúde (SNS) com enfoque em três pilares essenciais: a melhoria do acesso e da equidade, da eficiência e da qualidade dos cuidados de saúde. Ao completarmos dois anos de governo, mais de 75% das medidas de política de saúde, inscritas no Programa do Governo, estão concretizadas ou em fase de execução. Estamos determinados em prosseguir o trabalho para que, em 2019, no seu 40.º aniversário, o SNS possa celebrar o melhor desempenho da sua história.

 

Ao completar dois anos de governo como carateriza o estado da Saúde em Portugal?

Os portugueses têm razões para ter confiança e orgulho no nosso sistema de saúde e em particular no Serviço Nacional de Saúde. O relatório recentemente publicado pela OCDE, “Health at a Glance, 2017”, comparando os dados disponíveis, entre os diferentes Estados-membros da organização, sobre o estado de saúde das populações, o acesso aos cuidados de saúde, a qualidade dos cuidados prestados e o desempenho dos sistemas de saúde, é uma prova da qualidade do trabalho feito no nosso país, ao longo das últimas décadas, cujo mérito é, em grande parte, devido à qualidade dos seus profissionais. No que diz respeito a Portugal, a informação publicada é muito positiva sendo evidente a forte convergência, nos principais indicadores, com a média da OCDE. Em diversos domínios Portugal apresenta excelentes resultados no conjunto dos países da OCDE. Temos, no entanto, áreas onde é preciso melhorar muito, como por exemplo a diabetes e as demências. Os portugueses têm hoje uma esperança média de vida que os aproxima dos países mais desenvolvidos do mundo. O grande desafio reside, contudo, no âmbito das doenças crónicas cujo impacto é particularmente relevante nos últimos anos de vida.

 

E quanto à eficiência e ao desempenho global, como caracterizaria a situação?

O sistema de saúde português tem vindo a ser avaliado de forma muito positiva. Na classificação anual dos sistemas de saúde do Euro Index 2016, Portugal surge na 14.ª posição à frente do Reino Unido e de Espanha. Numa avaliação recente feita pela Universidade Nova de Lisboa o SNS é avaliado positivamente no que se refere à sustentabilidade, desempenho assistencial e financiamento. Importa referir que, por solicitação do Ministério da Saúde, se encontra igualmente em curso uma avaliação externa pela OMS e pelo Observatório Europeu dos Sistemas de Saúde que visa avaliar a qualidade das políticas e o seu efeito nos resultados, cujo relatório final será apresentado em 2019.

 

O Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, tem, por diversas vezes, apelado a um pacto de regime ou consenso alargado na Saúde. Concorda?

Creio que o Presidente da República tem razão e que faz todo o sentido procurar esse consenso. O SNS é demasiado importante para os portugueses para que possa ser tratado ou gerido de forma parcelar, sem visão estratégica e sem um consenso desejavelmente alargado. Existem muitas formas de o fazer tanto no plano legislativo como orçamental. Estamos disponíveis para participar nesse esforço.

 

Um dos temas recorrentes no debate político tem que ver com financiamento e sustentabilidade. Considera que é possível resolver esta equação?

Trata-se com efeito da equação mais difícil de resolver no contexto das políticas públicas. As necessidades em saúde são crescentes como é consensualmente reconhecido por todos. Ao Estado cumpre garantir o cumprimento escrupuloso dos princípios da universalidade, da cobertura geral do acesso em condições de equidade e de qualidade. Portugal tem cumprido grande parte destes critérios, mas tem ainda pela frente enormes desafios. Entre 2015 e 2018 o reforço do financiamento direto do SNS através de transferências do Orçamento do Estado terá um acréscimo que ultrapassa os 700 milhões de euros. Se retirarmos os efeitos one off (ADSE em 2010 ou injeção extraordinária para regularização de dívidas em 2012), o orçamento para a Saúde previsto para 2018 será o maior de sempre. Acresce o esforço adicional que irá ser feito entre o final do corrente ano e o início do próximo de regularização dos pagamentos em atraso no montante global de cerca de 1,4 mil milhões de euros. Vale a pena referir que os saldos orçamentais da conta do SNS entre 2016 e 2018 são os melhores dos últimos oito anos. Quer isto dizer que as necessidades de financiamento e a sustentabilidade estão asseguradas? De forma alguma. Trata-se de um trabalho de médio prazo que exige um ajustamento estrutural, mas também uma reflexão estratégica alargada. Não se trata apenas de mais recursos financeiros. É necessário trabalhar os aspetos da organização e da eficiência. E nessas áreas existe ainda muita margem de progressão.

 

Quando refere reforma do SNS, a que aspetos se refere em concreto?

Refiro-me a uma visão global estratégica que torne possível integrar os diferentes módulos de desenvolvimento do sistema, de forma a que, no final da legislatura, a sua resposta seja integrada em termos de acesso e equidade, de eficiência e de qualidade. Em primeiro lugar através de uma nova ambição para a Saúde Pública. Foi nesse sentido que criámos a Comissão para a Reforma da Saúde Pública Nacional e apresentámos uma proposta de lei à Assembleia da República nesse sentido. Tendo em vista esta nova ambição lançámos o Programa Nacional de Educação para a Saúde, Literacia e Autocuidados, a Estratégia de Promoção da Alimentação Saudável e, em conjunto com o MTSSS, a Estratégia Nacional para o Envelhecimento Ativo e Saudável. Importa igualmente referir o reforço da vigilância epidemiológica, da promoção da saúde, da prevenção primária e da prevenção secundária com o alargamento dos programas de rastreio de base populacional nas áreas do cancro da mama, do cancro do colo do útero, do cancro do cólon e reto e da retinopatia diabética e a criação do Registo Oncológico Nacional. O aprofundamento nos Programas de Saúde Prioritários – Prevenção e Controlo do Tabagismo, Promoção da Alimentação Saudável, Promoção da Atividade Física, Diabetes, Doenças Cérebro-Cardiovasculares, Doenças Oncológicas, Doenças Respiratórias, Hepatites Virais, Infeção VIH SIDA e Tuberculose, Prevenção e Controlo de Infeções e de Resistência aos Antimicrobianos e Saúde Mental. Finalmente, a criação do Centro de Emergências em Saúde Pública (CESP), cujo contributo tem sido reconhecido no contexto das respostas em Saúde Pública.

 

Quais as medidas com impacto direto nas pessoas, que mais destacaria no âmbito desta aposta na Saúde Pública e na Promoção da Saúde?

Destacaria a taxação das bebidas açucaradas, prevista na lei do OE 2017, que se revelou um sucesso em Saúde Pública. A introdução desta taxa fez com que a indústria tenha reduzido significativamente o teor de açúcar dos refrigerantes de forma a ficar abaixo do limiar do escalão de taxação mais elevada. Estima-se que tenha existido uma redução de 20 a 25% na venda das bebidas refrigerantes com maior teor de açúcar, em resultado de uma transferência para as bebidas com menor teor de açúcar, o que fez com que os portugueses tenham ingerido menos 4250 toneladas de açúcar através de refrigerantes face ao ano anterior. Julgo igualmente importante referir o novo Programa Nacional de Vacinação (PNV) lançado no início de 2017. Temos hoje um PNV dos mais completos e avançados dos países desenvolvidos. Merece destaque a introdução da vacina contra o vírus do papiloma humano (HPV), às raparigas a partir dos 10 anos, a junção de vacinas do programa a administrar aos dois e seis meses de idade – passando as crianças a receber uma vacina hexavalente, na qual constam a proteção contra a hepatite B, a Haemophilus influenzae tipo B (Hib), a difteria, o tétano, a tosse convulsa e a poliomielite –, a vacinação das grávidas contra a tosse convulsa para a proteção das crianças e o reforço das campanhas de vacinação do PNV e a implementação de medidas específicas para atividade epidémica – sarampo e hepatite A.

 

Um dos temas mais recorrentemente falados na reforma do SNS diz respeito à necessidade de respostas de proximidade. O que tem sido feito? O que podemos esperar até ao final da legislatura?

O foco na proximidade será o eixo estruturante de uma verdadeira reforma do SNS. Para além do aprofundamento da reforma dos Cuidados de Saúde Primários, iniciada em 2006, importa alargar o perímetro das intervenções estruturais e operacionais de modo a garantir respostas de qualidade baseadas na proximidade. Um dos aspetos mais importantes dos últimos dois anos foi a diminuição das barreiras económicas ao acesso, traduzida na redução global do valor das taxas moderadoras, da revisão do regime de isenções, eliminando o pagamento sempre que o utente é referenciado e nos casos em que o utente é dador benévolo de sangue, dador vivo de células, tecidos e órgãos e bombeiros e, mais recentemente, os utentes em cuidados paliativos (abrangendo no total mais de um milhão de utentes), bem como a redução de encargos com transporte não urgente de doentes. Ao nível dos Cuidados de Saúde Primários, temos vindo a prosseguir o plano de abertura de novas Unidades de Saúde Familiar (USF), o qual prevê 100 novas USF do tipo B até ao final da legislatura, alargando a contratação de novos médicos de família, fazendo com que hoje cerca de 92% dos portugueses já tenham cobertura e que se possa atingir, no final de 2017, o número histórico de menos de 500 mil portugueses sem médico de família, mantendo o objetivo de cobertura plena até ao final da legislatura. Ao mesmo tempo iniciou-se um processo de diversificação da oferta de cuidados lançando as bases para uma nova geração de cuidados de proximidade. A integração de médicos dentistas nos Centros de Saúde com o objetivo de ter assegurado, até ao final da legislatura, este tipo de oferta em todos os ACES – Agrupamentos de Centros de Saúde, a Saúde Visual, o reforço do número de psicólogos e de nutricionistas nos Centros de Saúde e a disponibilização progressiva de Meios Complementares de Diagnóstico e Terapêutica (eletrocardiograma, registo contínuo de 24 horas do eletrocardiograma, monitorização ambulatória da pressão arterial, radiologia simples, análises clínicas). Em matéria de modernização de infraestruturas e de equipamentos, valerá a pena referir a instalação de cerca de 12 mil computadores (em curso), bem como o lançamento da construção de cerca de 90 novos Centros de Saúde, em todo o país, correspondendo ao maior ciclo de investimento nos Cuidados de Saúde Primários das últimas décadas, no SNS.

 

Em que se irá traduzir este novo modelo de proximidade?

No âmbito do Programa Nacional de Educação para a Saúde e Literacia, lançámos, sob a coordenação do professor Constantino Sakellarides, o projeto SNS + Proximidade, o qual prevê uma mudança centrada nas pessoas com três níveis de intervenção das políticas de saúde – resposta, a curto e médio prazo a necessidades e expetativas atuais, a melhoria incremental das condições de funcionamento do SNS e a modernização e transformação do SNS com uma forte aposta na melhoria da qualidade do atendimento. Foi igualmente lançado um Programa de Incentivos, dotado de 35 milhões de euros, destinado à Integração de Cuidados e à valorização dos percursos dos utentes no SNS, tendo como objetivos a realização de rastreios e de programas de diagnóstico precoce, a redução dos internamentos, consultas e urgências hospitalares evitáveis e a implementação de programas integrados de apoio domiciliário.

 

E quanto à resposta assistencial e à organização dos hospitais?

Implementámos o Sistema Integrado de Gestão do Acesso (SIGA) e o Livre Acesso e Circulação no SNS (LAC) na referenciação para a primeira consulta hospitalar, o qual permite ao utente, em conjunto com o médico de família, optar por uma qualquer das unidades hospitalares do SNS onde exista a consulta de especialidade de que necessita. Desde a criação desta medida, cerca de 11% dos utentes foram referenciados para uma primeira consulta fora da rede hospitalar habitual. A salvaguarda dos Direitos de Acesso sairá também reforçada pela alteração legislativa que passou a definir tempos máximos de resposta garantida mais curtos para consultas e cirurgias, bem como, pela primeira vez, a fixar tempos máximos de resposta garantida para Cuidados Continuados Integrados, Cuidados Paliativos e Meios Complementares de Diagnóstico e Terapêutica. Os hospitais do SNS têm vindo a melhorar significativamente o seu desempenho assistencial, tendo realizado entre 2015 e 2017 cerca de mais 450 mil consultas, mais intervenções cirúrgicas e atingindo a melhor taxa de ambulatorização cirúrgica de sempre (cerca de 62%).  Ao nível da organização interna foi recentemente publicada a legislação que enquadra os CRI – Centros de Responsabilidade Integrada, os quais irão permitir maior autonomia organizacional, com repercussão positiva na motivação dos profissionais, no desempenho e na qualidade dos cuidados. Esta fórmula de organização e de gestão intermédia irá contribuir para rentabilizar a capacidade instalada na rede pública do SNS e melhorar os tempos de resposta no acesso.

 

Uma das críticas mais recorrentes tem sido a falta de investimento no SNS e, em particular, nos hospitais. O que nos pode dizer sobre este tema?

Os hospitais são por definição instituições especializadas muito exigentes do ponto de vista da modernização das infraestruturas e dos equipamentos. Durante o período de assistência financeira o desinvestimento foi muito acentuado. Estamos por isso confrontados com necessidades muito significativas de investimento no parque hospitalar do SNS. Neste momento encontra-se em fase de aprovação ou de execução um amplo programa de investimento em todas as unidades que integram o SNS. Tendo em vista o exercício de transparência, estas iniciativas podem ser acompanhadas no Portal do SNS https://www.sns.gov.pt/sns/reforma-do-sns/reformar-transformar-e-modernizar/. Encontra-se igualmente em execução um programa inédito de modernização da rede hospitalar pública, que inclui o lançamento do concurso do Hospital de Lisboa Oriental, das Unidades Hospitalares do Seixal e de Sintra e, a curto prazo, do Hospital Central de Évora e do Funchal. Acrescem aos novos hospitais intervenções de reestruturação, ampliação e modernização muito relevantes, como são os casos, a título de exemplo, do Centro Hospitalar de São João, Centro Hospitalar de Vila Nova de Gaia-Espinho, Centro Hospitalar Universitário de Coimbra, Centro Hospitalar de Lisboa Norte, IPO de Coimbra e de Lisboa e Hospital Garcia de Orta, entre outros. Valerá a pena ainda referir o forte investimento na área da oncologia e da radioterapia nos três IPO, no Centro Hospitalar de Trás-os-Montes e Alto Douro e no Centro Hospitalar de Tondela-Viseu.

 

Qual o papel dos hospitais do SNS na formação e na investigação?

É muito importante ter presente que os hospitais que integram o SNS, para além da sua missão assistencial, têm especiais responsabilidades no ensino, na formação e na investigação. Foi nesse sentido que criámos o Conselho Nacional dos Centros Académicos Clínicos com o objetivo de coordenar e desenvolver os Centros Académicos Clínicos enquanto estruturas integradas de assistência, ensino e investigação médica, que têm como principal objetivo o avanço e a aplicação do conhecimento e da evidência científica para a melhoria da saúde.

 

Como tem evoluído o apoio no âmbito dos Cuidados Continuados Integrados e Paliativos?

Temos hoje o maior número de respostas na Rede de Cuidados Continuados Integrados com o maior número de vagas em cuidados continuados integrados em todas as suas tipologias. Encontra-se em desenvolvimento o processo de desmaterialização do processo de referenciação, a promoção das respostas no domicílio, na ambulatorização e no reforço da componente de saúde mental através do estabelecimento de protocolos com unidades e equipas de Saúde Mental. Nos Cuidados Paliativos foi criada a Comissão Nacional de Cuidados Paliativos e Coordenadores Regionais, a elaboração do Plano Estratégico para o desenvolvimento dos cuidados paliativos no biénio 2017-2018, tendo sido inaugurada a primeira unidade de cuidados paliativos pediátricos da Península Ibérica – o Kastelo –, para além do enquadramento das unidades de terapêutica da dor e das equipas intra-hospitalares de suporte em cuidados paliativos.

 

Qual o balanço que faz da política de Recursos Humanos no SNS?

Como tenho repetidamente referido, os dois primeiros anos da legislatura foram de particular enfoque no investimento no reforço e na valorização do “capital humano” do SNS, tendo sido concretizada a maior contratação de profissionais para o SNS desde sempre. O SNS, quando comparado com o início de funções do atual Governo, tem hoje cerca de mais 6 mil profissionais. Foi invertida a tendência da emigração de profissionais de saúde e atingiu-se o maior número de médicos  aposentados no ativo (cerca de 330) através de um regime especial de contratação. Foram definidos incentivos à mobilidade geográfica de médicos para a fixação nas zonas mais carenciadas, tendo o programa abrangido cerca de 150 médicos em 2017. Nos últimos dois anos foi reposto o Período Normal de Trabalho das 35 horas dos trabalhadores com Contrato de Trabalho em Funções Públicas. O regime de admissão de pessoal médico foi simplificado (regime especial e transitório). Foi reposto o valor do trabalho suplementar e as horas de qualidade. Foi cumprido o descanso compensatório remunerado para os médicos que realizam trabalho noturno. No âmbito da formação médica foi regulamentado o novo modelo da Prova Nacional de Avaliação e Seriação (PNAS) para acesso ao internato médico. Foi criado um grupo de trabalho para o desenvolvimento e acompanhamento de boas práticas do enfermeiro especialista em enfermagem de saúde familiar. Encontra-se em fase de negociação com os sindicatos dos enfermeiros o novo ACT, bem como a revisão da carreira e do enquadramento dos enfermeiros especialistas. No âmbito dos recursos humanos, foi ainda criada a carreira especial de técnico de emergência pré-hospitalar e as carreiras de técnico de diagnóstico e de terapêutica, bem como dos farmacêuticos hospitalares. Nestes dois últimos casos, processos que se arrastavam há mais de uma década.

 

Qual a razão para um contexto de conflitualidade laboral tão prolongado no tempo?

A conflitualidade laboral resulta do processo reivindicativo normal em democracia dos grupos profissionais. Neste tipo de situações é preciso gerar um consenso relativamente ao equilíbrio indispensável entre as posições das partes. Os sindicatos apresentam e lutam por aquilo que consideram ser a expressão da vontade dos profissionais que representam.   O Governo tem a obrigação de apreciar essas mesmas reivindicações procurando compromissos que sejam enquadráveis nas possibilidades do país, tendo em conta a satisfação de um conjunto amplo de necessidades num quadro de recursos limitados. O que é facto é que os processos foram sendo geridos num contexto de progressiva normalidade que se julga poder abranger a globalidade dos grupos profissionais do setor da Saúde.

 

Uma das áreas com maior impacto no acesso e na sustentabilidade é a política do medicamento. Que balanço faz desta área da governação na Saúde?

Procurámos desde o início definir uma visão estratégica para o setor do medicamento pela importância do seu impacto no acesso e na qualidade dos cuidados de saúde, mas também pelas consequências sobre a sustentabilidade do setor e do SNS. A Resolução do Conselho de Ministros n.º 56/2016, publicada em Diário da República no dia 13 de outubro, aprovou a Estratégia Nacional do Medicamento e Produtos de Saúde 2016-2020, delineando a estratégia a prosseguir para a concretização dos compromissos políticos assumidos pelo Governo no seu Programa e nas Grandes Opções do Plano, no âmbito da política do medicamento e produtos de saúde. No âmbito destes compromissos, foram expressamente assumidas, como prioridades do plano de ação do Governo, em matéria de defesa do SNS e da promoção da saúde, e como vetores de sustentação da melhoria da sua governação, a promoção de uma política sustentável na área do medicamento, de modo a conciliar o rigor orçamental com o acesso à inovação terapêutica, o aumento da quota de utilização de medicamentos genéricos e da utilização de biossimilares e o estímulo à investigação e à produção nacional no setor do medicamento. No desenvolvimento desta estratégia foram concretizadas importantes medidas como a revisão anual de preços por via da comparação internacional, com alteração dos países de referência para 2017 (Espanha, França, Itália) e limitação de descida de 10% relativamente ao preço de 2016, a implementação do regime de preços notificados para os medicamentos não comparticipados pelo SNS, a reavaliação do esquema de comparticipação no preço dos dispositivos médicos utilizados na vigilância da diabetes, a promoção do aumento da utilização de medicamentos genéricos e biossimilares, através da difusão de informação a cidadãos e profissionais de saúde, sublinhando as vantagens de utilização para um maior acesso e para a sustentabilidade do SNS, a instituição e operacionalização da Comissão de Avaliação de Tecnologias de Saúde (CATS) e reavaliação fármaco-económica dos medicamentos em algumas áreas terapêuticas com elevados encargos para o SNS e medicamentos em associação fixa para tratamento da infeção por VIH, a promoção do acesso a medicamentos inovadores, através da aprovação de processos de comparticipação ou de introdução nos hospitais do SNS de cerca de 51 medicamentos inovadores em 2016 e de cerca de 60 em 2017 (o maior número de aprovações desde sempre no SNS). Foi igualmente assinada a Declaração de La Valletta 2017 – acordo de cooperação inédito entre Portugal, Malta, Chipre, Grécia, Espanha e Itália –, promovendo o acesso a medicamentos inovadores e a sustentabilidade dos sistemas de saúde. Foi implementado o Registo Nacional de Ensaios Clínicos (RNEC) e encontra-se em adiantada fase de concretização a Agência de Investigação Clínica e Inovação Biomédica. Nos últimos dois anos aumentou a quota de medicamentos genéricos no ambulatório e de medicamentos biossimilares nos hospitais, tendo prosseguido a redução média de encargos para os utentes. No que se refere às Farmácias Comunitárias, foi instituída uma remuneração pela dispensa de medicamentos genéricos de menor preço, visando o crescimento da quota de medicamentos genéricos e um melhor acesso ao cidadão. Estão igualmente em curso medidas para reforçar a participação das farmácias em serviços de interesse público que promovam a literacia em saúde, a prevenção da doença e a utilização racional do medicamento, de acordo com as necessidades nacionais e locais. Foi reforçado o programa de troca de seringas, no âmbito do Programa SIMPLEX+, foi implementado o Portal do Licenciamento, simplificando os atos administrativos relativos ao registo e licenciamento de farmácias e iniciado o projeto-piloto para estudo das condições que permitam a dispensa de medicamentos para o tratamento da infeção por HIV em farmácias comunitárias, contribuindo para um melhor acesso do doente ao medicamento de forma controlada e segura, cuja concretização em pleno ocorrerá a partir de 1 de dezembro de 2017.

 

A inovação e a transformação digital do SNS têm sido uma aposta do atual Governo. Que balanço faz das iniciativas desenvolvidas?

Acreditamos que o sucesso da reforma do SNS passa também pela transformação digital, tornando a relação dos profissionais e dos utentes com o sistema mais fácil, mais próxima e mais simples. É fundamental eliminar o desperdício do tempo, a redundância de atos e de procedimentos, as deslocações inúteis, a ineficiência e o desperdício. Neste sentido foi criado o Centro de Contacto do Serviço Nacional de Saúde – SNS24, assente numa plataforma de atendimento única e integrada, que permite colocar o cidadão no centro do SNS, disponibilizando um conjunto de informações e de serviços que facilitam o acesso e simplificam a utilização do SNS. A receita sem papel, que constitui um inegável sucesso de desmaterialização, será seguida por igual processo na prescrição dos MCDT.  A prescrição passará a ser mais simples e imediata, eliminando deslocações e tempo perdido pelos utentes. A partilha de dados entre profissionais de saúde, a área do cidadão, a marcação de consultas por via eletrónica, o boletim de saúde e de vacinas digital, são alguns dos muitos exemplos da “revolução” digital em curso. Foi ainda criado o Centro Nacional de TeleSaúde, existindo atualmente já milhares de consultas através deste processo. No Portal SNS e nas diferentes apps é hoje possível obter informação em tempo real sobre o desempenho das instituições e o acesso dos utentes ao SNS, bem como interagir com as entidades e serviços.